Dias após o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) venezuelano validar o resultado divulgado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), que declarou o presidente Nicolás Maduro como vencedor da última eleição presidencial, um membro do órgão eleitoral disse que “não recebeu nenhuma evidência” de que o chavista de fato venceu a votação e denunciou, em nota, irregularidades no processo. A afirmação de Juan Carlos Delpino ao jornal New York Times e depois em comunicado próprio converge com a retórica da oposição e de boa parte da comunidade internacional, e é a primeira grande crítica feita de dentro do sistema eleitoral, de maioria chavista.
O membro do CNE afirmou na nota divulgada nesta segunda-feira que a eleição ocorreu sem grandes problemas, mas que o problema surgiu durante a apuração, quando uma série de “descumprimentos de normas e regulamentos essenciais” teriam ocorrido. Ele também diz ter questionado uma série de decisões a respeito da votação, como a data, o registro de candidatos e a ausência de observadores internacionais.
Segundo Delpino, os resultados do pleito deveriam ser enviados para a Justiça Eleitoral “imediatamente após o encerramento das mesas” eleitorais, o que não ocorreu devido ao suposto ataque hacker. “Diante da falta dos boletins [de urna], a falta do envio dos QR code aos datacenter e a falta de uma solução efetiva para o suposto hackeamento, tomei a a decisão de não subir a sala de totalização [dos votos] e não acompanhar o anúncio do primeiro boletim”, disse em nota emitida nesta segunda-feira.
Delpino acrescentou ainda que foram “relatados vários incidentes de expulsão de testemunhas da oposição durante o fechamento das mesas”. Diante de todas as irregularidades, o membro do CN não esteve presente no ato que ratificou o resultado anunciado pela entidade.
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As afirmações ocorrem no mesmo dia em que o candidato da oposição Edmundo González Urrutia foi convocado para depor no Ministério Público, ação que o ex-diplomata considera não apresentar garantias de respeito ao devido processo legal. González, que não aparece em público há três semanas, não compareceu à audiência marcada para às 10h (11h no horário de Brasília), na sede do Ministério Público em Caracas. O Ministério fez uma nova convocação ao opositor para esta terça-feira, novamente às 10h locais.
Delpino era um dos cinco membros do CNE, órgão encarregado de decidir a estrutura das eleições, além de receber e anunciar seus resultados. Advogado, foi selecionado em agosto para integrar o conselho, atuando como um dos membros alinhado à oposição dentro do CNE. Na época, muitos venezuelanos viram na seleção uma tentativa de dar ao órgão eleitoral um verniz de equilíbrio e legitimidade.
Quando foi selecionado, Delpino morava nos EUA e retornou à Venezuela para servir no conselho por “grandes níveis de comprometimento” com o processo democrático, segundo argumentou. A maioria no país acreditava que o conselho era controlado por Maduro, mas o advogado, que já foi filiado ao partido opositor Ação Democrática, afirmou ter concordado por acreditar que a “rota eleitoral” era o caminho para a mudança. Mas, ao declarar Maduro como vencedor sem evidências, o CNE “falhou com o país”.
— Estou envergonhado e peço perdão ao povo venezuelano. Porque todo o plano que foi tecido, realizar eleições aceitas por todos, não foi alcançado — afirmou o advogado em entrevista ao New York Times.
Na manhã da votação, Delpino disse que acordou otimista e estava na sede do conselho eleitoral em Caracas às 6h. Mas, no fim do dia, quando percebeu que o presidente do CNE, Elvis Amoroso, iria anunciar uma vitória “irreversível” de Maduro sem provas, foi para casa, em vez de participar da entrevista coletiva que anunciou a vitória do chavista. Naquela noite, o advogado decidiu parar de participar do conselho.
O CNE até o momento não apresentou as atas de votação (exigidas pela comunidade internacional, incluindo os mediadores da crise, Brasil e Colômbia). A oposição, por sua vez, alega ter reunido mais de 80% dessas atas (contagens de mais de 25 mil máquinas, segundo o NYT) que, segundo afirmam, mostram a vitória do ex-diplomata com 67% dos votos — atas que o chavismo considera “forjadas”. María Corina e González lançaram um site poucos dias após a votação para hospedar esses comprovantes e torná-los públicos.
Com informações da Reuters