Soberania financeira e sanções estrangeiras: o dilema dos bancos brasileiros

Em meio à crise diplomática entre Estados Unidos e Brasil, os bancos brasileiros enfrentam desafios ao lidar com sanções internacionais, como a Lei Magnitsky, aplicada pelo governo americano contra o ministro Alexandre de Moraes. Instituições como Itaú, Bradesco, Santander, BTG Pactual e Banco do Brasil receberam questionamentos do Departamento do Tesouro dos EUA sobre a aplicação dessas sanções, evidenciando a vulnerabilidade do sistema financeiro brasileiro diante da influência do dólar e das políticas externas.

Sistema financeiro brasileiro sob pressão internacional

De acordo com a jurista Camila Villard, o sistema financeiro do Brasil possui mecanismos sólidos para lidar com sanções, mas a dependência do dólar limita a soberania monetária do país. Ela explica que bancos e instituições que operam com o dólar, seja via correspondentes ou subsidiárias nos EUA, estão sujeitos às normas americanas, mesmo sem uma internalização formal da legislação brasileira nesse âmbito.

“Nosso sistema depende de recursos em dólar e de relações internacionais sustentadas pelo sistema financeiro global, o que diminui nossa autonomia”, afirma Villard, professora na França e fundadora do Instituto Mulheres na Regulação. Ela destaca a necessidade de construir alternativas para reduzir essa vulnerabilidade, como já ocorre na Europa com o euro digital e o Pix no Brasil, que garantem maior autonomia financeira.

O impacto da centralidade do dólar no Brasil

Para Villard, a principal arma do poder americano é a influência do dólar, que permite a aplicação extraterritorial de sanções. Ela explica que bancos brasileiros, mesmo operando com regras locais, dependem de entidades nos EUA para transações internacionais, incluindo pagamentos, captação de recursos e operações de crédito.

“O sistema mundial de pagamentos, como o Swift, também tem seu papel nisso, pois é uma infraestrutura sediada na Bélgica, mas composta por bancos europeus e americanos que usam dólares como moeda de reserva. Essa dependência é uma limitação para o Brasil”, analisa a especialista.

Decisão do STF e o risco jurídico para os bancos

O ministro Flávio Dino, do STF, manifestou que decisões internacionais só podem ser internalizadas se respeitarem a Constituição brasileira. Essa declaração, embora não tratasse especificamente da Lei Magnitsky, serviu como recado institucional para os bancos, sinalizando que a aplicação da lei americana sem o devido processo poderia gerar conflitos jurídicos no país.

“Os bancos estão numa encruzilhada: precisam obedecer às regras americanas para manter o acesso ao sistema financeiro internacional, mas também devem seguir a jurisprudência nacional”, explica Villard. Ela alerta que uma eventual decisão do STF contrária à aplicação da Magnitsky poderia acarretar sanções internas, como multas, ou até mesmo a exclusão do sistema financeiro internacional, o que seria devastador.

Ações e estratégias para mitigar os riscos

Segundo a especialista, uma saída possível seria criar mecanismos financeiros alternativos, como contas em cooperativas de crédito que não estejam ligadas ao sistema brasileiro tradicional, ou avançar em plataformas de pagamentos internacionais que não dependam do dólar e das entidades americanas.

“O Brasil precisa pensar em uma política de longo prazo para fortalecer sua soberania monetária, articulando-se com os parceiros do Brics e de outros blocos econômicos. A China já invests há anos nisso com o yuan digital, por exemplo”, pondera Villard.

Consequências práticas no dia a dia dos bancos e cidadãos

Apesar das fake news que circularam sobre possíveis itens como o fechamento de contas ou impedimentos de acesso ao sistema financeiro, Villard garante que o Banco Central do Brasil possui forte infraestrutura regulatória, como o Fundo Garantidor de Crédito, que protege os depósitos dos clientes.

“O risco imediato para o cotidiano do brasileiro é pequeno, mas a dependência do sistema internacional de pagamentos e a vulnerabilidade a sanções americanas destacam a importância de ações diplomáticas e econômicas para diversificar nossas alternativas”, conclui.

Perspectivas futuras e o desafio de soberania financeira

O cenário aponta para a necessidade de o Brasil desenvolver sua própria infraestrutura financeira, com a viabilização de moedas digitais soberanas e maior cooperação internacional. Enquanto isso, os bancos brasileiros continuam na linha de frente dessa batalha, equilibrando os interesses comerciais, jurídicos e políticos diante das ações unilaterais do governo dos EUA.

Com informações do Jornal Diário do Povo

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