O peso oculto do crime na economia brasileira
A economia criminosa do Brasil não aparece nos balanços oficiais, mas seus custos chegam a centenas de bilhões de reais anuais, dificultando o desenvolvimento sustentável do país. Os números, que incluem violência, contrabando, evasão fiscal e crimes ambientais, revelam uma macroeconomia paralela que rivaliza com os orçamentos nacionais.
Os custos invisíveis da violência e do crime organizado
Estudos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estimam que o crime e a violência consomem até 5,9% do PIB, equivalente a cerca de R$ 373 bilhões em 2019, considerando gastos públicos, privados e perda de produtividade. Pesquisas de empresas brasileiras indicam que as corporações gastam, sozinhas, cerca de 1,7% do PIB para se proteger de crimes como roubo e fraude.
Consequências que não aparecem nas contas oficiais
Grandes perdas sociais e econômicas — como homicídios, abandono escolar, extorsão e bloqueios de investimento — raramente aparecem nos registros financeiros oficiais, mas representam uma ameaça constante ao potencial de crescimento do Brasil. Estimativas do Ipea sugerem que, ao somar todas essas perdas indiretas, o impacto na economia pode alcançar cerca de 11% do PIB anual, mais de R$ 1 trilhão em valores atuais.
A economia subterrânea e o contrabando
Atividades não registradas — estimadas em 17,8% do PIB, ou cerca de R$ 1,7 trilhão — alimentam e escondem o crime organizado, afetando os setores formal e informal. Apesar de muitas microempresas adotarem a informalidade como estratégia de sobrevivência, esse volume fomenta contrabando, fraude fiscal, falsificação de produtos e lavagem de dinheiro, dificultando a fiscalização e aumentando as perdas de receita.
Impacto na logística e na floresta
O contrabando e o roubo de cargas movimentam bilhões de reais ao ano, como mostram dados da Associação Nacional de Transportes, com perdas de R$ 29 bilhões anuais apenas com combustível. Além disso, o equilíbrio ambiental também sofre: de 2015 a 2020, quase metade do ouro ilegal comercializado no Brasil teve origem em áreas protegidas na Amazônia, destruindo ecossistemas e drenando recursos públicos.
A nova fronteira do crime ambiental
Alertas do projeto MapBiomas indicam que 99,8% das áreas de desmatamento na Amazônia em 2020 apresentaram sinais de ilegalidade. A fiscalização, no entanto, é insuficiente, e a destruição da floresta resulta em perda de energia, recursos naturais, além de comprometimento do clima e do abastecimento de água. Estimativas do Banco Mundial apontam que manter a floresta de pé gera ao menos US$ 317 bilhões por ano em benefícios globais, valor que o desmatamento ilegal coloca em risco.
Custo ecológico e social
O desmatamento destrói vidas, gera perdas econômicas e aprofunda desigualdades. Dados indicam que a perda de umidade na floresta provoca redução na geração de energia hidráulica e provoca prejuízos bilionários na agricultura, além de prejudicar os serviços ecossistêmicos essenciais para o país.
O imposto regressivo da ilegalidade
Estima-se que o custo social do crime e da ilegalidade no Brasil chegue a R$ 1,3 trilhão a R$ 1,5 trilhão por ano, aproximadamente 12% a 14% do PIB — um impacto semelhante ao PIB de Portugal ou República Tcheca. Esses custos recaem principalmente sobre os mais pobres, que estão mais expostos à violência, dependentes de serviços públicos e menos capazes de se proteger contra o aumento de preços causado pelo crime.
Medidas de combate e avanços recentes
Recentemente, o governo brasileiro começou a tratar o crime organizado como uma questão macroeconômica. O Ministério da Fazenda solicitou maior rigor na legislação contra empresas evasoras e devedoras contumazes, além de criar um núcleo de combate ao crime organizado dentro do Ministério da Justiça. Operações como a Operação Carbono Oculto e ações contra dívidas fiscais bilionárias demonstram essa mudança de postura, buscando desarticular redes criminosas que operam dentro da economia formal.
Perspectivas futuras no enfrentamento ao crime
Embora ainda sejam respostas iniciais, as ações sugerem uma compreensão crescente de que combater a ilegalidade é fundamental para o crescimento sustentável do Brasil. A cooperação internacional, o fortalecimento das instituições e a legislação mais eficiente podem reduzir esse peso oculto, que financia e alimenta um sistema que, na prática, dificulta o desenvolvimento econômico do país.
Dr. Robert Muggah é especialista em segurança pública e professor na Universidade Católica do Rio de Janeiro. Este artigo foi republicado de The Conversation sob licença Creative Commons. Leia o original.
Fonte: O Globo
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Com informações do Jornal Diário do Povo
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