Brasil e seus grupos de interesse na formulação de políticas ambientais
Um levantamento recente aponta que o Brasil possui 3.678 grupos de interesse, o que indica uma alta densidade de organizações concorrendo por influência nas decisões governamentais. A pesquisa, conduzida pela Universidade de São Paulo, analisa como esses grupos representam interesses diversos e refletem o equilíbrio ou desequilíbrio na participação social em questões ambientais, especialmente no contexto do licenciamento ambiental.
Desequilíbrio na representação de políticas ambientais
Na prática, especialmente na área de licenciamento ambiental, muitos grupos têm dificuldade de acesso ao palco das decisões. Enquanto alguns dominam o cenário e abafam as vozes de outros, há segmentos que permanecem à margem do processo. Como resultado, a harmonia na “orquestra” das políticas ambientais está ameaçada, dificultando a formulação de ações realmente representativas e equitativas.
Conflitos entre setores e interesses diversos
A nova Lei de Licenciamento Ambiental, aprovada pelo Congresso em agosto, exemplifica bem essa dinâmica. Com apoio do agronegócio, setor de energia e indústria, a proposta tem sido criticada por associações ambientais e grupos de direitos indígenas, que temem o enfraquecimento das salvaguardas socioambientais. Segundo especialistas, o conflito reflete a presença de interesses polarizados nesse cenário político-administrativo.
Quem fala e quem é ouvido?
Entretanto, o questionamento mais profundo não é apenas quem consegue falar, mas quem realmente tem voz na decisão final. A análise do projeto de pesquisa “Grupos de interesse no Brasil” revela que o verdadeiro desafio está no acesso igualitário aos espaços de deliberação. A composição da representação de interesses influencia diretamente a efetividade das políticas públicas, especialmente no setor ambiental.
Concentração por regiões e tipos de grupos
O estudo revela que a maior parte dos grupos está concentrada em São Paulo (43%), no Distrito Federal (17,6%) e no Rio de Janeiro (14,3%). Quanto à natureza dessas organizações, predomina o setor de defesa dos direitos sociais, representando 42,5% do total, seguido por associações de trabalhadores e organizações empresariais. Ainda assim, uma parcela significativa opera de forma autorrelatada, o que pode gerar distorções na avaliação real da diversidade de interesses.
Desafios na representatividade e participação social
Pontos críticos do estudo indicam que a diversidade de grupos pode estar subestimada, já que muitos declaram atividades heterogêneas, dificultando o entendimento das reais agendas por trás de suas ações. Além disso, a classificação autorrelatada pode não refletir, na prática, o envolvimento efetivo dessas organizações em temas ambientais, levantando dúvidas sobre a abrangência dos interesses considerados na formulação de políticas públicas.
Após a votação do projeto no Congresso, o Presidente Lula vetou trechos considerados prejudiciais ao meio ambiente e às comunidades tradicionais, promovendo uma disputa que pode ser levada à Suprema Corte. A questão central é até que ponto o número de grupos de interesse reflete uma verdadeira representação democrática da diversidade de interesses da sociedade brasileira.
Necessidade de democratização dos espaços de decisão
Para além do volume de organizações, o estudo reforça a necessidade de democratizar o acesso aos espaços de decisão, promovendo maior transparência, participação social e inclusão de grupos marginalizados. A busca por uma “orquestra” mais harmônica requer um esforço conjunto para ampliar a visibilidade e o poder de influência de diferentes segmentos da sociedade na elaboração de políticas ambientais eficientes e justas.
*Patrycja Rozbicka é professora sênior de Política e Relações Internacionais na Universidade de Aston; Elisa Maria Zanela e Manuela Montoza dos Santos são estudantes de Gestão de Políticas Públicas pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da Universidade de São Paulo (USP).
Fonte: O Globo
Com informações do Jornal Diário do Povo
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